24 julho, 2008

Poros entupidos

Entrei e vi que ele não gostou que eu não tivesse vindo com a roupa que ele tinha escolhido. Parei ao lado da cadeira e ele me ignorou. Continuou rindo com os meninos e acendendo cigarros e chamando o garçom. Fiquei parada, sorrindo meu sorriso mais estúpido, esperando que ele me olhasse e me falasse coisas cruéis como sempre fazia. Não me olhou, não falou.

Preferiu levantar abruptamente e ir dançar. Seu entourage de amigos o seguiu. Fiquei sozinha com cara de nenhum amigo ao lado da mesa agora vazia. E sentei. A bebida era liberada e bebi. Cerveja, whisky, champagne, vinho. Festa de rico. O aniversariante rico não falaria comigo, mas isso já não me importava. Naquela altura do campeonato eu já estava acostumada a ser a minha própria companhia.

Quando pisquei novamente percebi um gorducho oleoso que não parava de falar. E ele estava tão perto do meu ouvido que eu podia sentir a sua saliva se depositar nele. Ele devia ter brotado do chão e achado que podia se sentar ali porque eu não o vi chegando. Essas coisas sempre acontecem quando uma garota decide beber sozinha, sempre há um gordinho que acha que vai se dar bem quando certo nível alcoólico for atingido. E o gorducho falava e falava sobre coisas que eu não estava interessada. Ele estava bêbado. Eu estava bêbada. Mas eu estava calada e ele não calava a boca.

Se não fosse feito de mármore, o meu rosto teria se iluminado quando tive a grande idéia de desobstruir aqueles poros usando o meu drink. Definitivamente aquela era A solução. Lavar aquela cara gorda e oleosa com o meu vinho verde, vermelho ou branco. Já não sabia mais o que estava bebendo, mas não fazia diferença, o meu drink ia purificá-lo. E foi o que o meu drink fez. Voou numa velocidade espetacular, numa curva quase artística e lavou aquele rosto apavorado que se levantou rápido, tentando entender o que o havia atingido de olhos bem abertos.

Foi uma bela expressão a que o cara de porquinho fez, e eu não guardei a minha risada satisfeita. O Sr. porquinho se secando, bufando, e com os olhos ardendo e ficando vermelho. Ficou tão vermelho que ganhei um empurrão imprevisto e caí para trás como um tronco. Cataplof, um sorriso estúpido congelado no meu rosto.

De repente o mundo pareceu entrar em frenesi. Garrafas se quebraram, empurrões, homens estavam agarrados nos pescoços de outros homens, mulheres penduradas nos cabelos de outras mulheres, gritos, os seguranças correndo e o meu dedo médio explodindo em sangue graças a um salto agulha de alguma galinha que corria. Dentro de segundos eu seria esmagada como um tomate e não conseguia encontrar o meu equilíbrio para levantar.

Isso se não fosse aquela cabeleira ruiva que apareceu, se agachou e me puxou para fora. Ela, toda de branco me cravando as unhas no pulso, me puxando para o ar puro. Rapidamente chegamos na calçada. Na rua me dei conta que era Shirley.

Shirley com suas pernas bonitas. Ruiva, corpulenta, pintura de Botticelli. Andava de moto toda vestida de branco e parava para ver as putas. As putas se arrepiavam. Estavam acostumadas com caminhoneiras peludas e quando Shirley se equilibrava no salto puxando assunto, elas iam a loucura, brigavam por aquele lugar na garupa. Shirley dava conta de todas elas. Pintura de Botticelli viva, mas as putas não sabiam quem era Botticelli. E ela me chamava de mulher de Hopper. Nunca conheci uma mulher mais bonita e desvairada como aquela. Seu único defeito era gostar de mulher.

Ela deu uma gargalhada cigana e disse:

- Estragou a festa daquele viado.

Eu sorri com o meu dedo enrolado na camiseta tentando manter a coluna ereta. Dei de ombros.

Sentadas da moto varamos a noite atrás de um hospital.