24 julho, 2008

às duas da tarde e semanas depois

Ela queria fazer as unhas e o cabelo num salão perto de casa. Inventei uma desculpa e disse que o cabeleireiro não trabalhava aos sábados. Eu andava deprimida e queria ficar sozinha. Ela resmungou um pouco, mas no final aceitou.

Já deviam ser duas da tarde e eu tomava uma cerveja sentada no sofá. Pensava se ia ou não me levantar e comer alguma coisa. Encarar as paredes em silêncio vinha sendo edificante. Era inverno, mas no Rio de Janeiro isso não existe. Talvez no bairro dos ricos perto do mar. Comparado ao quarto que eu morava, o inferno deveria ser mais fresco.

O telefone tocou:

- Estou aqui em São Cristóvão - disse ela - acabei de cortar o cabelo e ele me garantiu que sempre trabalha aos sábados.

Tomei um gole da cerveja e respirei fundo.

- Fez as unhas também?

- Não, não fiz, não ia dar tempo.

Nanã ficava furiosa quando me pegava mentindo. Mas num dia quente como aquele eu não queria saber sobre unhas ou cabelos.

- Pois é...

- Você está sendo uma idiota, sabia?


E dedicou cinco minutos me explicando por que eu estava sendo uma idiota. Enfim desligou.

Permaneci sentada terminando a cerveja que já começava a ficar quente. Bebo bem, mas devagar. Quando terminei fui até a geladeira buscar outra. Estava fazendo muito calor para um dia de inverno.

Semanas depois Nanã resolveu que iríamos ao shopping. Ligou e avisou que estaria na porta me esperando às 2 da tarde. Não tive tempo de inventar uma desculpa, desligou antes que eu pudesse resmungar qualquer coisa.

Já deviam passar das três e eu estava tomando um copo de vinho sentada no meu sofá. Da varanda da sala eu via as pessoas indo a algum lugar. Era inverno e naquele dia fazia frio. O vento cortava as ruas e subia pelas minhas canelas brancas enquanto o vinho me mantinha quente.

- Estou aqui - disse ela - onde você está?

Tomei um gole do vinho e respirei fundo.

- Olha, eu...

Nanã ficou furiosa, mas não me chamou de idiota. Sequer explicou por que eu estava sendo idiota, ela simplesmente desligou.

Tempos depois apareceu na minha casa. Trouxe umas cervejas e eu deixei que entrasse. Se sentou e falou sobre seus cabelos, suas unhas e sobre o que havia comprado no shopping naquele dia.

Nanã deve andar solitária.