01 agosto, 2008

ratazana, botas de borracha e calcinhas às duas da manhã.

Ficava esperando o telefone tocar, mas ele nunca tocava. Havia preenchido folhas de aplicação para empregos e esperava um retorno. O retorno não vinha, o telefone não tocava, e eu ia ficando mais e mais deprimida. Para quê telefone se ninguém ligava? Podia usar a taxa paga pela linha em coisas que me deprimissem menos.

Dizem que a esperança é a última que morre e isso é mesmo algo terrível. Sou a favor da morte rápida e impiedosa de todas as esperanças. Ficar esperando por algo que não virá é aterrorizante.

Na época, o ponto alto da minha vida acontecia às duas da madrugada. A grande ratazana forçava a minha janela tentando entrar. Eu me levantava furiosa, vestia botas de borracha e com a vassoura na mão lutava contra a grande ratazana. De calcinhas. A principio ela me via e fugia pelo telhado. Eu ficava esperando, vendo se voltava.

Depois de uns meses forçando a minha janela pontualmente às duas da madrugada e me vendo correr com a vassoura na mão, botas de borracha e calcinhas, ela resolveu me enfrentar. Ficava em cima do muro me encarando com seus olhos vermelhos e seus dentes compridos. Eu não alcançava o topo do muro e ela era covarde demais para descer. Ficávamos nos encarando, esperando. Às vezes eu fumava um cigarro enquanto esperava. O vizinho tarado escondido atrás das cortinas. Um grande espetáculo.

Aí ela se cansava e me dava as costas. Rebolava vagarosamente e ia embora. Eu voltava para a cama.

E sempre a mesma coisa. Ouvia os guinchos na janela e corria pra fora. Mesmo se estava frio. De vez em quando ela sumia por dois ou três dias, mas eu sempre podia contar com a grande ratazana. Depois de um tempo começamos a nos sentir confortáveis na presença uma da outra, permiti que ela descesse até o lado mais baixo do muro, pensava em domesticá-la.

Uma madrugada o telefone tocou e fiquei curiosa. Deixei a ratazana no lugar e atendi.

- Me sinto solitária - me disse uma voz feminina.
- Todos nós nos sentimos.
- Mas acho que vou me matar.
- Vá em frente e faça.
- Esse é o problema. Não tenho coragem.
- É mesmo uma pena.

A voz parecia frágil, quase se apagando.

- Não quer vir até a minha casa?
- Acho que não.
- Mas já lhe disse que me sinto solitária.
- Não há cura para isso, infelizmente.

A voz suspirou.

- Posso ligar amanhã?
- Se quiser.

Nos despedimos. Lá fora a grande ratazana havia desaparecido. Nunca mais forçou minha janela às duas da manhã. Mas pelo menos agora o meu telefone tocava.