19 setembro, 2008

Pés tortos e vestidos de bolinha

Morria de inveja das outras meninas. Observava pela janela do apartamento o pátio. Lá estavam elas, bonitas com seus vestidos de verão. Chupando pirulitos e fumando cigarros. Marias-chiquinhas tortas e tão charmosas. Os meninos vinham e às vezes elas os seguiam até o banco traseiro dos carros. Pareciam se divertir tanto lá dentro. Ela olhava pela janela. Queria ser como uma daquelas meninas, mas não podia. Era escrava de um corpo sem forma e de cabelos rebeldes demais que jamais comportariam marias-chiquinhas tortas e charmosas.

Quando o dia estava quente elas se deitavam na grama e riam olhando para o céu. Alisavam o cabelo uma das outras e ás vezes pulavam corda. Na escola uma vez, uma delas, a mais bonita de todas, prometeu telefonar. Ela esperou o verão inteiro.

Sábado a noite era ruim. Todas no pátio ou com os meninos no banco traseiro dos carros. Umas tomavam cervejas, outras chupavam pirulitos e fumavam cigarros. Lábios vermelhos como morangos. Riam, davam gritinhos e pulavam de calcinhas de babados e sutiãs cor-de-rosa na piscina de plástico. As mães não estavam em casa. Era sábado a noite e elas estavam seguindo homens para o banco traseiro de caminhonetes ou quartos de motéis. Ela pálida, com o umbigo estufado numa barriga pontuda, disforme no reflexo do espelho.

Domingo a tarde era díficil de respirar. Tudo ficava em absoluto silêncio e a chuva de verão ameaçava cair com força. As meninas não estavam. Deviam estar pintando as unhas de lilás e usando vestidos de bolinhas que mostravam as calcinhas de babados quando se sentavam. Ela usava o cinto do padrasto amarrado no pescoço, mas aquele cinto parecia ser curto demais. Pensou no lençol da irmã de pequenas margaridas. Não pesava mais do que 40 quilos e achou que seria fácil acabar com tudo aquilo. Um menino na escola já havia feito semestre passado e disseram que ele estava nú, mas ela não achava que precisava ficar nua e preferiu usar o vestido que ganhara da avó de natal e que nunca usara porque mostrava demais as costelas nas costas. Nunca havia reparado nas suas costelas até usar aquele vestido horrível. Se olhou no espelho e achou que estava ridícula, pensou que a tristeza que sentia era muito maior do que o corpo que estava presa. Desligou o telefone que nunca tocava e também o ventilador de teto.

Quando as luzes piscavam em azul e vermelho, ela acordou e reconheceu seus pés tortos estendidos. Passou por todas as meninas iguais que olhavam e deixavam para trás os meninos e os pirulitos só para vê-la. Pela primeira vez elas prestavam atenção nela e sentiu algo que jamais havia sentido, finalmente não era mais invisível. Ela havia acertando o placar com elas que nunca ligavam, roubava toda a atenção e estava certa de que iriam falar sobre aquilo durante todo o ano - ela era tão famosa quanto as meninas agora.

Sabia que se tivesse bastante sorte talvez a convidassem para o banco traseiro de algum carro para chupar pirulitos e fumar cigarros, ou fosse lá o que eles fizessem durante os verões.